quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Mundos alienígenas

Um dos motivos pelos quais ainda tenho algum gosto por este blogue está relacionado com o facto de, noutros tempos, os textos que aqui publiquei terem sido lidos pelo Manuel António Pina – e que saudades temos do Pina e que falta que nos faz aquilo que ele escrevia para os jornais e para as revistas.

Esta manhã, enquanto lia a colectânea póstuma “Crónicas, Saudade da Literatura” para me distrair da electro-estimulação dos músculos da perna direita e das conversas dos outros idosos da fisioterapia – a vida nos bairros sociais, as casas sem condições, o hálito a vinho de um homem qualquer, a mãe que matou as duas filhas – encontrei a crónica “Mundos Alienígenas”, da qual o Pina me falou uma vez: disse-me que tinha escrito na Notícias Magazine alguma coisa sobre as minhas viagens de autocarro, mas eu nunca cheguei a ler o texto. Li-a apenas esta manhã, constatando que o Pina cometeu a proeza de incluir o meu nome da mesma frase onde também aparece o do energúmeno Pedro Passos Coelho.

Ora a minha convivência, numa mesma frase, com Passos Coelho é, assim de repente, uma das coisas mais alienígenas que me aconteceram, muito mais estranha do que todas as conversas destrambelhadas dos autocarros, do que o mundo cor-de-rosa das Bibás e das Mituxas, ou do que a vida das outras idosas da clínica fisiátrica. Lida cinco anos depois, a crónica do Pina parece-me produto de um universo paralelo e de um mundo que era um pouco melhor pelo simples facto de o Manuel António Pina ainda nele viver, fumando cigarrilhas e telefonando para contar anedotas e histórias intermináveis.

Sinto, às vezes, falta das viagens no autocarro e de escrever as histórias que ouvia e imaginava distorcendo-as. Mas o pior de tudo é saber que o Pina não voltará a escrever aquelas ironias certeiras que vinham todas as manhãs com o JN.